Os peões portugueses agradecem sempre que, dentro do seu direito a atravessar nas passadeiras, atravessam porque alguém, num carro, permitiu que o seu direito a passar fosse respeitado, parando e dizendo paternalmente vá passe com a mão e às vezes com um sorriso de palavrões por detrás de tanta amabilidade. Mas não vim cá falar-te sobre isto. É que quando deixei passar a senhora de cabelo curto, vindo talvez de uma calvície forçada, pensei que também eu agradeço e apresso o passo, para não fazer esperar quem fez o obséquio. Pensei que isto pudesse gerar uma sinalética cultural, que se perde algures nos tempos, e só assim deixar de representar o eterno curvar-se, desculpar-se, o submeter-se que agora carrega em si. Porque é uma coisa bonita, os carros deixarem passar, mesmo que estejam obrigados a isso, e o peão agradecer, como quem cumprimenta no século passado quem por ele passa. E estava eu metida com o estendal e a roupa que ressequida se aquece ao sol e disse porra, tanta coisa tenho eu a dizer-lhe e perco tempo com a roupa que resseca no calor do sol, que sendo inverno podia morrinhar e justificar a roupa estendida tanto tempo e depois vem o raio-x às ancas antes dos 8 meses da criança e depois, se quiser, vem a recensão crítica ao artigo do blindspot ou ainda a ilustração que me impacienta as noites, quando a imagino ilustrada e afinal foi tudo um sonho e esta música que tanto é Mozart como é Arnaldo Antunes a puxar para que me sente e dê o prazer de me sentar para ti, que mereces tantas imagens das que trago cá dentro, para os textos dos que respiras para fora, e ainda os outros todos que esperam alimento. Só que, finalmente abandonando a roupa que agradece ressequida rente ao sol, venho falar do gesto nas passadeiras dos peões e de como as pessoas.
1 Comments:
ao passar sob a varanda onde postavas roupa como quem escreve poesia pensei acenar-te mas empalideci e refreei o gesto e deixei-me ficar quietinha a encher-me de sol
Post a Comment
<< Home