Monday, November 29, 2010

refazendo para depois dormir e acordar e refazer, dormindo

Wednesday, November 03, 2010

Monday, November 01, 2010

baseada em rebuçados verídicos

tenho uma história para te contar.

Eu e o meu irmão mais velho fomos a Barcelos, num passeio escolar. Andávamos ainda na primária e era como se fôssemos à lua. Na noite anterior à viagem não preguei olho. O meu irmão pregava olho sempre, mesmo debaixo do fogo do cobertor eléctrico ele mantinha o olho pregado.


A minha mãe preparou merenda para ambos e deu-nos algum dinheiro - imagino que pouco porque o dinheiro era sempre pouco e muito cerimonioso.


Do passeio lembro-me de um jardim que julgo ter sido o da merenda e de irmos de volta para a camioneta, em atabalhoada fila indiana.

Lembro-me também de poupar as moeditas para comprar um bonito e vistoso galo de Barcelos à minha mãe. Já o meu irmão gastou quase todo o dinheiro em rebuçados e guloseimas e risos e cambalhotas e achou que um galo minúsculo era um galo na mesma.

Levei o meu galo embrulhado em papel manteiga na primeira classe do colo, protegido na pessoa orgulhosa do seu sacrifício de amor.


Foi com esse exterior que o dei à minha mãe, sorrindo de orelha a orelha, com os olhos também. O meu irmão abriu a palma da mão e de lá saiu o seu imperceptível bocado de barro colorido - e creio que nesse momento pedi um abraço maior, um beijo mais apertado, mas tal como a merenda e o dinheiro igualmente repartidos, também os afectos foram de mãe, indiferenciados.


Os galos pousaram na janela da cozinha, lado a lado, e eu comia a fruta ou a demora da sopa a olhar para a desproporção daquelas figuras e acreditava que o meu era mais bonito e que até o silêncio de uma mãe concordaria comigo.


Um dia - lembro-me tão bem do som - os galos cairam da janela, subitamente aberta por uma corrente de ar. Uma corrente de ar, é o que basta para acabar com o amor que traz um galo de Barcelos. Aos pedaços coloridos no chão. Só um deles estava inteiro - e um pedaço inteiro despedaçou-me o coração. Era o pedaço-galo do meu irmão que naquela
janela posou durante muitos anos e calculo que ainda hoje, onde quer que se tenha perdido, esteja inteiro, tosco, um olho abaixo e outro acima, preto às pintas, sujo ou enterrado. Inteiro.

Da minha mãe, uns pêsames de mão nos cabelos, o beijo de consolação no sal de uma cara deformada. E depois seguiu talvez pensando que, como tudo, também isto eu esqueceria e, parecendo que sim, não, continuo a querer dar belos galos que, invariavelmente, se vão.



conta-me uma história.